domingo, 25 de novembro de 2012

“BABYLON”, DE ZECA BALEIRO: MINHA RELIGIÃO É O CONSUMO.


Muitos teóricos da pós-modernidade vão acentuar que nossa sociedade vive a cultura de consumo, onde o homem tem como uma das atribuições do capitalismo o consumo exacerbado de bens materiais e simbólicos. Desse modo, tudo se relaciona ao consumo, que é um mecanismo global que molda as relações dos indivíduos na contemporaneidade. Destarte, neste artigo, vamos nos ater em analisar sociologicamente a canção “Babylon” (2000), de Zeca Baleiro:

Baby!
I'm so alone
Vamos pra Babylon!
Viver a pão-de-ló
E möet chandon
Vamos pra Babylon!

Gozar!
Sem se preocupar com amanhã
Vamos pra Babylon
Baby! Baby! Babylon!...

Comprar o que houver
Au revoir ralé
Finesse s'il vous plait
Mon dieu je t'aime glamour
Manhattan by night
Passear de iate
Nos mares do pacífico sul...

Baby!
I'm alive like A Rolling Stone
Vamos pra Babylon
Vida é um souvenir
Made in Hong Kong
Vamos pra Babylon!

Vem ser feliz
Ao lado deste bon vivant
Vamos pra Babylon
Baby! Baby! Babylon!...

De tudo provar
Champanhe, caviar
Scotch, escargot, rayban
Bye, bye miserê
Kaya now to me
O céu seja aqui
Minha religião é o prazer...

Não tenho dinheiro
Pra pagar a minha yoga
Não tenho dinheiro
Pra bancar a minha droga
Eu não tenho renda
Pra descolar a merenda
Cansei de ser duro
Vou botar minh'alma à venda...
Eu não tenho grana
Pra sair com o meu broto
Eu não compro roupa
Por isso que eu ando roto
Nada vem de graça
Nem o pão, nem a cachaça
Quero ser o caçador
Ando cansado de ser caça...

Ai, morena! Viver é bom
Esquece as penas
Vem morar comigo em Babylon...

Na primeira estrofe, o eu lírico evoca a amada a irem para Babylon, já que ele está muito só. O convite é argumentado pelas comidas privilegiadas da elite (pão-de-ló e möet chandon) a fim de provar que Babylon é um lugar ideal para se viver feliz. O poeta retoma o convite na segunda estrofe, mostrando um possível modo de vida que não se preocupa com o amanhã (carpe diem). Interessante notar, quanto ao título, que o termo baby (amada) é radical da palavra inglesa Babylon. O título em inglês e as outras expressões em francês já apontam para a mundialização dos produtos culturais. Babylon seria um “símbolo de entidade plausível, símbolo do poder econômico globalizado. É inevitável não reconhecer na canção a figura da Babilônia, a grande prostituta, descrita por São João no livro de Apocalipse como ‘cidade forte’ e ‘grande’, hábitat de mercadores enriquecidos e de reis devassos”, como aponta Cristian Santos em “Babel (Confusão ou salvação?): religiosidade, secularização e mercado em Babylon, de Zeca Baleiro” (2009).

O primeiro verso da terceira estrofe traz consigo a tônica da canção (prazer em consumir). O eu poético pode comprar o quiser, dá adeus a ralé e elenca outros prazeres. Aqui, notamos que Babylon é o lugar do prazer imediato, este centrado no consumismo exacerbado. De acordo com Zygmunt Bauman em “Modernidade Líquida” (2001), o individuo pós-moderno utiliza-se do ato de comprar para se livrar do mal e assim sentir-se bem.

Signos

Nas três estrofes seguintes, o poeta revela que vive como uma pedra a rolar e que a vida é uma lembrança de Hong Kong que não tem valor algum. Ele reúne um número de costumes, comidas, objetos da elite, que ele pode usufruir e de novo se esquiva da ralé. Na pós-modernidade, a estetização da vida e o triunfo do signo mostram a subordinação da produção ao consumo sob a égide de marketing, com uma ascensão muito grande da concepção de produto, do design e das ferramentas de comunicação do marketing. O eu lírico sugere que sua religião é o prazer. Babylon seria uma espécie de “Pasárgada” para o poeta. Um lugar em que ele pode tudo: “[...] a grande fissura no pensamento do poeta não está em reconhecer a possibilidade de entrar num ‘mundo de prazer’, pois o cristianismo e outras religiões já se incumbiram disso”, revela Santos. Nessa estrofe, o discurso religioso, outrora muito poderoso, não tem força alguma na atualidade. Com isso, a ética do eu poético é moldada somente pelo sistema capitalista, que dita modas, os costumes, e que, sobretudo, consegue vender um discurso mais atrativo que a religião e/ ou a ciência.

Nas estrofes seguintes, o eu lírico apresenta negativamente o seu mundo. Essa também é uma forma de argumentar a favor de Babylon, lugar do prazer imediato. Basicamente, as duas estrofes versam sobre a falta de dinheiro do eu poético, que também não ter droga, merenda nem boas roupas. O sujeito cansa da vida sem poder aquisitivo e revela que vai por a alma à venda. Os versos reforçam a ineficiência do discurso religioso na pós-modernidade, afirmam a força do sistema capitalista nos nossos dias. A nona e última estrofe retoma à problemática da primeira estrofe. O poeta tenta convencer a amada que viver é boa e também solicita que a amada esqueça as penas. Essa estrofe reafirma as seis primeiras, nestas o poeta positivamente descreveu Babylon. Por fim, o sujeito reafirma a vida chamando a amada para morar no paraíso do consumo.

(Texto de Ricardo Salvalaio publicado no Caderno Pensar, do jornal A Gazeta, no dia 12/11/2011)










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