sexta-feira, 9 de novembro de 2012

LICENÇA CRÔNICA: CARLOS ALEXANDRE DA SILVA ROCHA



Carlos Alexandre da Silva Rocha nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os treze anos de idade e tem como influências Drummond e os escritores simbolistas. Em 2008, lançou, pela Lei Rubem Braga, o livro de poemas “Um homem na sombra”, que aparentemente se coloca aos olhos do leitor como algo simples. Entretanto, como o livro versa sobre as angústias humanas, ele torna-se não tão fácil de ser encarado. Carlos Alexandre é formado em Letras-Português pela UFES e escreve no Blog Pierrô crônico (www.pierrocronico.blogspot.com). Confira, abaixo, a crônica “O ensimesmado”:

O ensimesmado

Gostava de ficar nos cantos, em quinas. Sua existência era quase imperceptível. Quando pequeno sua mãe o esquecia em supermercados, lojas, parques... Ela partia e quando chegava em casa lembrava que esquecera algo, era o filho. Voltava chorando e se punindo por ser uma mãe louca, que deixa a cria para trás. Ela chegava lá descabelada e o via com o sorriso dos inocentes. Agarrava-o desesperada.

Nunca apanhou e nem teve o lanche roubado no recreio. Os valentões da escola pareciam não vê-lo.
Na adolescência sua atitude camaleônica só lhe trouxe desvantagens, enquanto todos já tinham se pegado, na grama, na escada e até debaixo de chuva, ele carregava consigo a insígnia de ser um BV. É, não conseguiu beijar ninguém, e os finalmentes então! Nem em sonho...
Cresceu e entrou na vida adulta, no trabalho não era despedido porque sua chefe não se dava conta de sua existência, e quando o via repetia sempre a mesma pergunta: “Você é novo por aqui?”. Foi levando essa vida até que não conseguiu entrar mais na empresa, tinham deletado seu nome do cadastro, não era funcionário, nunca o viram mais gordo, repetiam-lhe desde o segurança ao dono da empresa.

Caiu no mundo do crime, virou mula. Fazia entregas interestaduais confiando sempre na sua invisibilidade. Adorava cães, mas nunca perdoou aquele pulguento que lhe dedurou com latidos insistentes.
Foi levado para a delegacia de polícia. Quando o puxaram pelo nariz, seu corpo já se confundia com o estofado da viatura. Ficou lá sentado se misturando com o ambiente.
Só se deram conta de seu desaparecimento no outro dia, quando a imprensa foi tirar a foto do meliante.
– Desapareceu!, diz o carcereiro ao delegado.
– Como assim? Desapareceu?!

Vários físicos, matemáticos, filósofos estudaram o caso durante anos, criando teorias sobre a co-presença do indivíduo não-presente.
Passaram-se anos e um pedreiro desvendou o caso quando foi consertar o quartinho de despejo da delegacia. Entrando no quarto, assustou-se ao se deparar com um velho cuja barba longa encostava no chão. Fedia a barata, sua alimentação diária. Nos jornais saiu na primeira página – “Descoberta: o Crusoé da cadeia”.

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