terça-feira, 28 de maio de 2013

CRÔNICA "COM QUEM SERÁ?", DE JUCA MAGALHÃES.


Juca Magalhães é músico, escritor e ex-integrante do grupo “Pó de Anjo”.  É um dos mais requisitados mestre de cerimônias do Estado, com atuação em eventos públicos e privados. Autor do blog a “Letra Elektrônica” e textos publicados no Caderno Pensar, do Jornal A Gazeta. É autor dos livros “O Livro do Pó” e “Da Capo - De Volta às Origens da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo”. Magalhães também trabalha na divulgação e desenvolvimento de projetos voltados para educação e performance de música, sobretudo canto coral, clássica e popular. Confira, abaixo, a crônica “Com quem será?”:
COM QUEM SERÁ?
Sexta de noite, sai pra jantar com minha garota e uma amiga. Mulheres bonitas, sorridentes e relaxadas, felizes por poder sentar em algum lugar para atualizar as notícias e jogar conversa fora. Enquanto caminhávamos pela rua, por duas vezes, percebi uma coisa que aconteceu de maneira bem semelhante. Dois caras sentados em barzinhos por que passamos devoraram as duas com olhares que beiravam o atentado ao pudor. Não jogaram nenhuma piadinha, talvez porque me viram junto, mas isso não os impediu de devorar as meninas com os olhos.
Havia uma espécie de ódio naquele olhar, mas não era a frustração que dá no leão quando a gazela escapa. Era uma espécie de raiva pela evidente (e inconsciente) obrigação de ser homem. Sobretudo, havia o outro. Aquele olhar guloso era mais para o parceiro do que para as bonitas que desfilavam ante seus olhos impotentes, para mostrar para o companheiro de copo que ele é um homem. Depois que a presa passar, vão sorrir em cumplicidade despertando o sentimento de pertencimento à categoria dos machos. É, na verdade, a única coisa que podem fazer com relação à sexualidade reprimida da qual nem se dão conta.
Existe a ideia, bastante difundida, de que as mulheres se arrumam e se esmeram em cabelos e vestidos para impressionar as outras mulheres. “E tentem mim (sic) superar!” Frase bastante comum em declarações espontâneas no “Livro das caras”. Já os homens penam com a responsabilidade de conquistar essas mulheres, afinal, é uma coisa muito chata e boboca a obrigação que o homem tem de provar que é homem. E não é para as mulheres: é para os outros homens. Já não basta o corpo recoberto de pelos e a voz grave como a buzina de um navio, precisam mostrar mais o quê? Precisam das mulheres.
“E disse o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele” (Gênesis 2:18).
O homem precisa da mulher social, sem ela o cenário nunca está completo e as cobranças são várias. Um homem sozinho causa aquela estranheza da qual muitos têm horror: a fragilidade do feminino. Mesmo muitos homossexuais não aceitam, nem tornam público seu afeto por outros homens. A possibilidade de amar ao outro assombra, então alguns se caricaturam em machos, são o avesso dos travestis. Saem aos bandos constrangendo garotas e arrumando pancadarias. Por que será? Aliás, a cobrança já começa nos aniversários: com quem será? Eis a questão que persegue a todos desde a pequena infância...  
E o que dizer da ideologia no cancioneiro do nosso Brasil machista? “O homem de moral levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”; “Homem que é homem não chora”; “Todo homem que sabe o que quer pega o pau pra bater na mulher” (versão muito popular de uma daquelas canções do Roberto).
Então toda a violência se origina na repressão sexual? Eu sei lá se não. Mas essa é uma verdade que ninguém vai ver o Datena vociferar valentemente em seu programa na televisão. O ódio existe não pela falta de amor, existe porque a sociedade nos obriga a amar, mesmo que não se queira. E essa é uma forma de violência assumida como coisa natural. Daí é possível inferir o tamanho do equívoco daqueles que ao invés de buscar a compreensão, acham que o certo é endurecer a repressão. E ao pregar o amor, incitam ainda mais a violência que dizem querer evitar.


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