sábado, 18 de maio de 2013

LICENÇA CRÔNICA: CARLOS ALEXANDRE DA SILVA ROCHA



Carlos Alexandre da Silva Rocha nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os treze anos de idade e tem como influências Drummond e os escritores simbolistas. Em 2008, lançou, pela Lei Rubem Braga, o livro de poemas “Um homem na sombra”, que aparentemente se coloca aos olhos do leitor como algo simples. Entretanto, como o livro versa sobre as angústias humanas, ele torna-se não tão fácil de ser encarado. Carlos Alexandre é formado em Letras-Português pela UFES e escreve no Blog Pierrô crônico (www.pierrocronico.blogspot.com). Confira, abaixo, a crônica “Minha pombinha da discórdia”:

MINHA POMBINHA DA DISCÓRDIA

Sei, mon amour, que a culpa de nossa desgraça repousa em meus ombros. Sou o único culpado e pagarei caro por isso. Não fugirei, nem implorarei por minha vida. Estou enfurnado entre quatro paredes, preso para sempre, como naquela música do Paul McCartney de que eu gosto tanto, e ao som da qual, muitas vezes, fizemos amor, mas, ao contrário da “Band on the run”, não sairei daqui, não há esperança de fuga.

De mim, de nós, só restará esta carta que algum dia, creio eu, quedará em suas mãos. Isso, é claro, se ela não for extraviada, destruída, deturpada. Minha Paloma, como sabe, palavras podem se desmanchar no ar, ou nas gavetas, as traças existem para isso.

Não pensei que um inocente cigarro causaria a nossa desgraça. Não foi por mal, muito menos por bem, que eu o acendi. Estávamos absortos no “je vais, je vais et je viens entre tes reins”. Além de que escutávamos “Je t’aime... Moi non plus”, de Serge Gainsbourg, por isso a citação, minha pequerrucha ... Tudo parecia perfeito! Quando dei por mim, nossa cama estava em chamas e não era de paixão. Nosso inferno particular começou nessa hora.

Notícias correm rápido, Ma petite colombe de la discorde, mal saímos do nosso quarto enfumaçado e somos capa do jornal de hoje. Nem vimos que fomos fotografados. Você nua e eu como nasci. Tarjas pretas tampam nossos sexos e os teus apetitosos e tesos bicos dos seios.

Hoje de manhã, seu marido me ligou. Falou que iria me destruir e que eu ofendera um cabra macho. Retruquei que ele estava mais para bovino, do que caprino, esquecera dos chifres? O que talvez tenha aumentado a sua ira. Ele descreveu minuciosamente o que faria com os meus órgãos genitais quando colocasse as mãos em mim. Estou tomando previdências para que isso não ocorra.

Reforcei as trancas da porta, na verdade, troquei a porta e a casa inteira. A nota fiscal do esconderijo à prova de bomba nuclear avisava que era impenetrável, nem a radiação, nem o seu marido vão pôr em risco a minha vida. Entretanto, sei que um marido nervoso e enganado, consumido pelo ódio, irá colocar todo este aço abaixo. Essa é a minha maior preocupação.

Sei que minha casa será tomada, mas será aos poucos. Primeiro a maçaneta, depois a porta. Ele tomará os ladrilhos com seus passos apressados e cada pó recôndito de minha residência. De nada adiantarão minhas súplicas e as paredes de metal. Não terei como fugir, estou acuado.

O modo como ele vai me tirar a vida me atordoa. Já sinto o cano frio da arma em minha nuca, ou será que ele me matará a facadas, contando, minuciosamente, o número de perfurações? Como Nelson Rodrigues avisou, Toda nudez será castigada. Basta estar pelado com a mulher dos outros e você verá.

Escuto alguém mexer na porta. Sinto minha respiração diminuir, mas ele desiste e se vai. Viverei aqui, trancafiado para sempre, até que um dia a morte me arraste para o seu fosso silencioso e escuro. Queria te ter em meus braços por mais uma vez, te dar carinho, mas a tranca da porta só abre após cem anos. Estou preso aqui. Se o seu marido não me matar antes, quando eu estiver velho, olharei tua foto, minha Paloma, na hora de minha morte, sabendo que você estará velha e enrugada e não será nem a sombra do que já foi. Meu olho deixará derramar a última lágrima e me entregarei vencido, pensar isso me alegra, me faz esquecer que meu fim será outro, mais trágico. Meu amor, adeus.

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