sábado, 25 de maio de 2013

LICENÇA CRÔNICA: CARLOS ALEXANDRE DA SILVA ROCHA


Carlos Alexandre da Silva Rocha nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os treze anos de idade e tem como influências Drummond e os escritores simbolistas. Em 2008, lançou, pela Lei Rubem Braga, o livro de poemas “Um homem na sombra”, que aparentemente se coloca aos olhos do leitor como algo simples. Entretanto, como o livro versa sobre as angústias humanas, ele torna-se não tão fácil de ser encarado. Carlos Alexandre é formado em Letras-Português pela UFES e escreve no Blog Pierrô crônico (www.pierrocronico.blogspot.com). Confira, abaixo, a crônica “Pancada de amor não dói”:

PANCADA DE  AMOR NÃO DÓI

Casaram-se numa tarde de maio. Ricardo viu Lucia caminhar vagarosamente para o altar, com seus passos vacilantes e seu belo sorriso, todo branco de si, magnífico. Iriam passar toda uma vida juntos, até que os anos façam seus ninhos nos cabelos, napele... Ela era tão frágil que sentiu vontade de abraçá-la ali mesmo, protegê-la das intempéries da vida. Estaria para sempre ao lado de Lucia, agora sua mulher, plantado como um carvalho.
Ele era magro, mas já se via calvo e barrigudo. Orgulhoso, uma vez que uma barriga saliente mostra para a sociedade que ele é um homem de família. Respeitável. Via-se, também, com três ou quatro bacuris, enchendo a casa de gritaria e vasos quebrados. Além de latidos e ganidos de cães. Era assim que ele via a felicidade.

A lua de mel foi doce, apesar do seu nariz quebrado. Sua mulher era uma pugilista de mão cheia, entretanto, Ricardo só foi saber disso no pronto socorro, depois de acordar do nocaute. No começo pensou que era uma forma de incendiar a relação, mas não! Sempre havia uma surpresa: uma faca, substâncias líquidas em ebulição, tacos de beisebol e tantos objetos perfurantes. Com Lucia não existia chance para paz.
Ganhou fama de azarado entre os conhecidos ao tentar explicar as constantes fraturas e escoriações.

“O que aconteceu com o seu braço?”, pergunta alguém.
“Cai da escada”, respondia Ricardo.
“No seu rosto é o que?”
“A mesa... bati na quina.”
“A sua perna?”
“Batida de carro. Estou vivo por um milagre...”
“É mesmo? Mas seu carro tá inteiro...”

Apesar de tudo os amigos acreditavam que ele, no fundo, era um sortudo. “A única sorte do Ricardo foi ter casado com a Lucia”, diziam eles cheios de si, acrescentando o fato “de ela ser quase uma santa, nunca vi mulher tão boa. Boa em todos os sentidos”, completavam os amigos às gargalhadas no botequim, entre uma cachaça e outra. O único que não bebia era Ricardo, se ousasse, no outro dia não andaria, foi o que lhe jurou Lucy. Na última vez bebeu um gole de cerveja, tomou uma surra de porrete pra nunca mais esquecer. Aquela mulher era o cão.

Tentou denunciá-la. Na delegacia caçoaram dele. Não tinha o que fazer. O normal era esperar que ela o matasse de pancada, ninguém meteria a colher, afinal era briga de marido e mulher e pancada de amor não dói.
Um dia depois de beber todas, saiu resoluto – iria acabar com seu problema de uma vez por todas. Agiria como um homem, como um verdadeiro macho. Levantou-se e cambaleando, mas decidido, rumou para a sua casa.
“Aquela megera vai ver”, resmungava ele no seu dialeto de bêbado. “Vai ter de volta tudo o que me deu, a desgraçada”.  Abriu a porta confiante e marchou furtivamente para o quarto dando socos nas mãos e estalando os dedos. Abriu o armário e pegou a mala. “Vai morrer de desgosto”, pensou ele, sorrindo e enchendo a bagagem com as suas roupas. Juntou todo o dinheiro e fugiu. Até terminar o final de semana e ela voltar da casa de seus sogros, ele estaria longe.
Partiu foragido da mulher, com todas as economias. Entretanto, o fantasma dela o perseguia. Tinha sonhos horripilantes com ela fazendo ensopadinho dele. Acordava suado com a voz dela sussurrando em seu ouvido:
“Vou te triturar, seu idiota”.

Além de escutar o barulho dos dedos dela no taco de beisebol.
Fez cirurgias plásticas, nem se sua mãe o visse lhe reconheceria. Mudou de identidade, de nome. Mas, quando chegava em casa, olhava debaixo da cama com uma garrucha para ver se ela estava lá. Envelheceu sem paz de espírito.
Morreu dormindo, de susto. Na hora derradeira, levantou os braços e, protegendo o seu rosto, gritou:
“Não, não! De novo não, Lucy!”
A causa de seu falecimento foi enfarto fulminante. No velório, adivinhava-se em seus lábios pálidos um sorriso. Afinal, estava livre do tormento que o perseguira a vida inteira, a mulher.


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