sábado, 17 de agosto de 2013

LICENÇA PARA CONTAR: SARAH VERVLOET




Sarah Vervloet nasceu em Vila Velha, no Espírito Santo, em 1989. É graduada em Letras-Português pela UFES e atualmente cursa o Mestrado em Letras/ Estudos Literários na mesma universidade. É professora e também escreve irregularmente. Foi contemplada em um concurso de Literatura da Secretaria de Cultura do Espírito Santo, na categoria contista estreante e seu livro está no forno. E-mail:sarahvervloet@gmail.com e Blog: http://chadechama.blogspot.com.br. Confira, abaixo, o conto “Casca e véu”:

CASCA E VÉU

Já haviam sido todas perdidas aquelas ameixas maduras que manchavam as cestas, as calças, os laços, os pães. Um suco encardido dava cor às cortinas ao redor, a sua vida mantida em silêncio. Apagaram-se todas as esperanças em cada vela acendida e levada pela ventania de um final de tarde. Misturados, polpa, parafina, tecido, desejo, mentira, amor. Em suas mãos, metade da garrafa que ela quebrara na confusão. Vinho tinto, quente, encorpado, desperdiçado. Ao lado de uma coragem atrapalhada, deixou para trás todas as portas entreabertas, barulhentas. Desceu meia dúzia de degraus, hesitou o retorno, olhou à sua volta.

Olhou para si mesma, suja, de mãos cortadas, de orgulho ferido. Encontrou uma vida ali mesmo, bem perto. Perto o suficiente para ser apanhada de imediato. Ainda que tenha deixado de enxergar naquele mesmo instante, seus olhos estavam bem abertos, resistindo a uma não-consciência. Finalmente soltou aquele pedaço de vidro ensanguentado. Gemeu alguma palavra ignorada. Sentiu-se segura novamente, envolta por água e mais água. A força surgida de um grito significava anormalidade. O ambiente havia mudado, seu fôlego perdido. Não sentia nenhuma das pernas, e compreendeu então aquela água sem fim. Não demorou que lhe faltasse a fala engolida por um juízo despercebido.


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