domingo, 3 de novembro de 2013

PAUL MCCARTNEY E ELTON JOHN. 2 MANEIRAS DE ENCARAR A VELHICE.


Novos discos dos cantores mostram diferentes jeitos de enxergar a carreira e a vida

Quem conhece minimamente Bob Dylan  sabe que ele não fica muito tempo fazendo a mesma coisa - por isso, criou diversos inimigos ao longo de meio século de carreira. A aceitação da mudança é um processo recorrente na vida do cantor. Apesar desse não ser um texto sobre Dylan, há algo dele nos próximos parágrafos, que mostram um devaneio sobre dois lançamentos recentes de artistas tão experientes quanto o americano: Sir Elton John e Sir Paul McCartney.

O primeiro lançou há algum tempo The Diving Board, um disco que surpreende pela sonoridade introspectiva e solta, quase despreocupada. Não há guitarras ou a batida de balada característica de John. Algumas canções ficariam boas com essa abordagem mais "banda de rock", mas o inglês preferiu a dinâmica do vazio para criar ambiência. O disco recebeu críticas sobre a falta de acabamento de algumas músicas - algo inaceitável a essa altura da carreira.

Eis que surge Bob Dylan: antes de lançar The Diving Board, Elton John disse que por conta de discordâncias anteriores com a gravadora, chegou a pensar em abandonar a música. No entanto, mudou de ideia ao ouvir o álbum Modern Times  (2006), de Dylan, e disse que só retornaria ao estúdio para fazer algo nessa linha. Como referência o parâmetro do próprio artista, é possível ouvir e entender o novo álbum de uma maneira bem diferente. Não está em jogo o potencial sonoro das canções, mas sim a conexão proposta.

Dylan, por exemplo, não precisa trocar uma palavra com o público. Para os fãs, as recorrentes mudanças nos repertórios dos shows, deixando de lado clássicos que ninguém ousaria ignorar, também são aceitáveis. Bob Dylan se conecta com o público pela música. A lógica é simples: ser o mais sincero possível na maneira de interpretá-las, mudando seus arranjos e até as tirando do jogo quando preciso, para dar ao público o que há de mais real entre o eu-artista e a obra. E esta a chave. Elton John entendeu que sua referência deveria ser o egoísmo da satisfação musical. A partir daí, a conexão com o público seria inevitável. Pelo menos com quem procura algo além de melodias assoviáveis.
Paul McCartney, por sua vez, está de volta com New, seu 16º álbum solo de estúdio. Se nos dois anteriores, Memory Almost Full (2007) e Kisses On The Bottom (2012), ele buscou uma sonoridade mais crua, agora foi a vez de se aproximar do mundo pop e suas para fernalhas tecnológicas. Para garantir sucesso absoluto, Paul recrutou quatro produtores de ponta: Paul Epworth, que já trabalhou com Adele; Mark Ronson, famoso pela parceria com Amy Winehouse; Ethan Johns, que tem no currículo Kings Of Leon e Ryan Adams; e Giles Martin, filho do também produtor e “quinto Beatle” George Martin.
Os nomes dos produtores deixa a clara intenção de Paul em "se manter no jogo"; brigando com nomes pop como Miley Cyrus e Justin Timberlake, por exemplo. McCartney quer continuar sendo o centro das atenções, um eterno rapaz, e escolheu jogar como os jovens para se conectar a eles. Essa áurea peterpânica e megalomaníaca paira sobre Paul há algum tempo, e ao ouvir seguidamente New e The Diving Board, é impossível não refletir sobre as diferentes formas de encarar a velhice - ou talvez a própria vida.
Não é questão de qualidade. Os dois álbuns são muito bons e merecem respeito.
É preciso também reconhecer que Elton John parece satisfeito com suas conquistas, e agora, tirando o pé do acelerador, faz o que lhe agrada ao invés da responsabilidade comercial. Paul escolheu novos ares e a conquista do mercado - e isso também deve ser valorizado. O resultado também é de altíssima qualidade. As músicas são vivas, modernas e prazerosamente pegajosas.
Outra comparação pode ser feita com as primeiras frases de cada disco. Enquanto Paul abre o disco com "Save us" ("Eu posso tentar te dar tudo o que você sempre quis/ Você não é tão difícil de satisfazer/ E a única coisa que eu peço em retorno/ Você pode dar com facilidade"); Elton, em "Oceans away", escolhe a seguinte letra: "Eu andei com os velhos, na esperança que eu ficasse sábio/ Eu estava tentando fazer a ponte entre a grande divisão".

Em um vídeo comparando Dylan e McCartney, o comediante-mágico Penn Point afirma que o Paul de hoje é a melhor versão possível do Paul dos anos 60 - como se fizesse parte do melhor "tributo aos Beatles" que existe. Bob, por sua vez, parece ter sofrido mais com o tempo do que qualquer outro ser humano e isso é aparente no palco. Enquanto Paul é fiel à execução de sua discografia, Bob Dylan desafia o público a olhar suas canções cada dia sob uma ótica diferente. É como se as canções fossem seres e não coisas. Elas possuem personalidade, cacoetes, angustias e anseios.

Elton John não chegou a esse nível, mas The Diving Board mostra que ele fez o máximo para se aproximar desse ideal. Ele executa as canções como elas querem e não necessariamente como o mercado gostaria de ouvir. Paul pula e brinca no parquinho enquanto Elton, sentado, observa-o de longe e ri com a cena. No fim, resta saber quem, de fato, se diverte mais.
(Texto de Pedro Couto, que é jornalista e escreve do Dylanesco, site sobre Bob Dylan)


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