quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

LUGAR DE DRUMMOND É NA ESCOLA



A recente depredação de que foi alvo a estátua do escritor brasileiro Carlos Drummond de Andrade, na praia de Copacabana, suscita algumas questões relevantes atinentes à cultura e educação em nossa sociedade. Drummond é importante para quem? Para o autor deste artigo e para os que têm determinado nível de escolaridade e leitura, certamente é fundamental por seu legado literário. No entanto, o Brasil é uma sociedade na qual a cultura letrada humanística tem peso cada vez menor, conjuntura cuja percepção é particularmente relevante quando olhamos para trás e nos damos conta de que desde nossa gênese enquanto nação a oralidade foi e é traço distintivo, bem como o uso do corpo como uma espécie de gramática auxiliar. Nós falamos, gritamos, gesticulamos, dançamos, mas o pensamento escrito nosso povo nunca reputou fundamental.

Logo, a Literatura, cuja matéria-prima é a palavra elaborada artisticamente, é objeto marginalizado, tanto na vivência cotidiana quanto nas escolas, em que essa disciplina, via de regra, é tratada como uma longa e enfadonha historiografia, atrelada à ideia de beletrismo e ao normativismo gramatical, ao invés de o aspecto artístico ser privilegiado. Nesse sentido, a Literatura nas escolas sofre uma pichação institucionalizada e curricular, por meio da qual se contribui sobremaneira para desumanizar subliminarmente o indivíduo, acomodando-o à linguagem binária, ao comportamento mecatrônico do dia a dia, que elimina gradações em prol de extremos maniqueístas (ser ou não ser: eis a questão?).

Sob esse aspecto, a atitude do casal flagrado pelas câmeras instaladas na praia carioca não deveria causar espécie, pois apenas consubstancia o discurso pedagógico, dá-lhe uma forma palpável ao violar o ícone. Sim, pois conspurcar o mestre, o exemplo, a palavra escrita, é isso o que se colhe quando a estrutura faz o aluno mediano interessar-se apenas pelo quanto será útil à sua “expertise”, à sua intenção de ser um colaborador pró-ativo e focado em seu objetivo profissional o conhecimento das características do Modernismo ou de qualquer outra escola literária. 

Numa sociedade que se guia por esse pensamento, Drummond é reduzido a bronze esculpido na praia, para ser usado por turistas como cenário fotográfico. Percentual notável da população ignora a importância dele, o que aquela figura representa. Para essa camada, ele é uma pedra no meio do caminho, pois simboliza um conhecimento ignorado e tido por inútil, do estreito ponto de vista pragmático.


Assim sendo, é contraproducente e preconceituoso certo discurso decorrente da pichação, que sustenta ser essa atitude um exemplo insofismável de que o povo desvaloriza a “boa cultura”. Que povo, se ele não é uno, e sim constituído de parcelas? E o que é “boa cultura”? Se não servir para José, João, Teresa, Raimundo, Maria, Joaquim e Lili terem direito a espaço no mercado de trabalho, é boa? Sim, certamente, mas numa dimensão ainda pouco explorada nas salas de aula de ensino fundamental e médio. Porque é necessário tiremos Drummond da praia e dos círculos estreitos, e o coloquemos honestamente de volta nas salas de aula. Sentado como está em Copacabana, mas não sozinho ou em companhia de eventuais turistas sorridentes, e sim ao lado de alunos que precisam conhecer as sete faces de um poema, as muitas faces da “verdade” (que costuma não ser um “case” de sucesso), e entrem na história.

(Texto de Eduardo Selga publicado no Jornal “A Tribuna” em 08/01/2013)


Eduargo Selga é professor de Língua Portuguesa e mestrando em Literatura pela UFES.

Um comentário:

  1. Dizem que os pichadores são dois vândalos mineiros,da terra de Drummond. Porque será que tiveram uma reação tão radical? Será que nem os mineiros conhecem a importância do grande escritor/poeta pra cultura nacional??? Drummond não é assunto pra pauta nas escolas mineiras????? DE qualquer forma a atitude vandalista dos pichadores foi um desrespeito a memória de alguém tão importante pra cultura nacional e não só mineira....digo até...cultura mundial e um dos nossos orgulhos culturais e patrimônio da humanidade.

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